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MUSIC VIDEO (QUANTO TEMPO)
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Desde 2013, quando a duplodeck entrou em hiato, Mr. Lopes tem sobreposto camadas de guitarras e agregado colaboradores em sua missão de resgatar canções esquecidas e compor material inédito para o primeiro álbum da Alles Club. Sucedendo o ep 1999 e o single ECLIPSE, a Pug Recs acaba de lançar QUANTO TEMPO, faixa criada/rejeitada pela duplodeck e que agora vem a tona envolta por uma atmosfera shoegaze, mas mantém os dóceis vocais femininos e a sequência de sétimas melancólicas do Clube da Esquina. O b-side IMERSA e uma versão ao vivo complementam este single que está fadado a ser comparado com Yo La Tengo, Slowdive e Sigur Rós. Alex Martoni, autor da letra e coautor dos arranjos, escreveu um relato sobre as obsessões que deram origem à QUANTO TEMPO no início dos anos 00, onde, entre algumas divagações, revelou que o final apoteótico à la Mogwai foi, na verdade, inspirado por um clássico do Roberto Carlos. Leia o texto completo abaixo ou viste
database.fm/allesclub
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O que eu me lembro desta canção? Era um tempo de obsessões. Todas remontam a um momento muito específico da trajetória da banda duplodeck, responsável pelo primeiro arranjo de Quanto Tempo. Obcecado pela ideia de parar de cantar para me dedicar mais efetivamente a experimentações sonoras diversas – o que, para os meus companheiros, representava o perigo de nunca se chegar ao arranjo final (outra obsessão) – convidei uma amiga para assumir os vocais. Quanto Tempo é testemunha fonográfica desse tempo; um tempo de mudança de tom: da agressividade e postura irascível das primeiras composições à suavidade e onirismo que passaram, então, a embalar a doce voz de Francely Guedes.
A obsessão em abandonar os vocais alimentava uma outra: a de incluir arranjos de trompete nas canções. Como eu não conhecia ninguém que quisesse fazê-lo for fun, eu mesmo me candidatei, for my own fun. Meu treino diário, de uns 30 minutos, começava com os enfadonhos exercícios dos livros, que eram interrompidos já aos 5 para dar lugar a uma outra prática: colocar as canções do duplodeck para tocar e tentar rascunhar uns arranjos por cima. Desse modo, as notas iam sendo encaixadas de ouvido, o que motivava fortes emoções, temores – e decepções – nas performances ao vivo, já que, ao não conhecer exatamente as notas que fazia, eu depositava total confiança nas capacidades mnemotécnicas do corpo humano – e elas são falhas, segundo colegas infiltrados na plateia. O longo solo de trompete que ocupa cerca de um terço da música nasceu assim. Na medida em que a confiança foi aumentando, eu resolvi arriscar, no final, um ataque com notas bem agudas, o que dava um tom apoteótico à canção bem ao gosto do outro guitarrista da banda, um fã incondicional de Mogwai. No entanto, minha inspiração não vinha de Glasgow, mas de Cachoeiro de Itapemirim. Sim, este ataque final lembra bem (embora não seja um plágio) uma famosa canção de Roberto Carlos!
A busca por escrever letras em português também tinha lugar nesse catálogo de obsessões. Lembro-me que, ao longo dos anos 90, a aparição de bandas nacionais que, inspiradas em gêneros como o grunge, o metal e o shoegazer, cantavam em inglês recolocou na agenda da imprensa musical o velho debate se a língua portuguesa se acomodava bem ao gênero rock. No duplodeck, eu costumava compor numa espécie de transe, como a escrita automática dos surrealistas, que me levava a falar uma língua estranha – o embromation – que eu defino como “emissão acústica que emula e se apropria de encontros vocálicos e consonantais, de prefixos, radicais e sufixos da língua inglesa”. Mas com Quanto Tempo foi diferente. Uma vez estabelecido o tema, os acordes e os versos em português foram vindo de forma torrencial. Não estou seguro, mas isso deve ter acontecido bem cedo (5, 6 da manhã) para aproveitar, já acordado, os resquícios finais do transe do sono. Clara como a luz do sol, a letra não precisa de esclarecimentos, tendo em vista que gravita em torno de uma única ideia-chave, a de que embora as mágoas do passado persistam, o tempo transcorrido justifica aventar a possibilidade de um reencontro com aquele(a) que as provocou. Trata-se, claro, de um dilema existencial experimentado por muitos de nós, que, no caso de Quanto Tempo, era também mediado pela literatura. Recordo-me que, inspirado pela leitura de algum romance ou conto russo, eu estava obsedado pela ideia de como o tempo ressignificava as coisas. Há uma belíssima passagem de Nabokov, Turgueniev ou Tchekhov, não me lembro bem, na qual uma esposa se queixa com o marido sobre como sua ex-namorada retorna embelezada pelo tempo, ao passo que ela, por outro lado, tinha seu encanto erodido pela labuta da convivência diária. É a tal da ressignificação que o tempo impõe à experiência e que justifica o reencontro aventado pelo sujeito poético de Quanto Tempo.
Uma canção, muitas obsessões. Reencontrando-a agora (depois de quanto tempo?), reformulo sua hipótese em modo interrogativo: vai valer a pena te ouvir de novo? Olha, em tempos em que o lírico é rotulado como o suprassumo do piegas, tendo em vista as formas que adquire na música sertaneja; ou como “um prazer pequeno-burguês”, em face às atuais exigências de engajamento político do artista, o belíssimo arranjo do Alles Club, que impregnou à canção com camadas de guitarras em vertigem, não me deixam dúvidas de que ouvi-la ininterruptamente será a minha nova obsessão. Obrigado, Fred, por traduzir, com rara sensibilidade, os arranjos sugeridos; obrigado, Lagartixa, por ignorar, veementemente, os arranjos sugeridos; Rodrigo, pela busca obsessiva dos tons grandiloquentes; Fran, por dar voz à minha escrita. E, sobretudo, obrigado Alles Club, por trazer de volta essa antiga ex-namorada embelezada pelo tempo.
por Alex Martoni
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